Paul Singer: um militante socialista e solidário
Paul Singer (1932-2018) tem sua trajetória intimamente entrelaçada com as lutas sociais no Brasil na segunda metade do século XX e inicio do século XIX e é um dos principais representantes de uma geração que teve sua práxis ligada ao que, em determinado momento, ficou conhecida como “a esquerda democrática” no Brasil, caracterizada pelo seu intimo compromisso com o socialismo, com a emancipação da classe trabalhadora e com a radicalização da democracia.
Nascido em Viena/Áustria em uma família Judia, chegou ao Brasil com 8 anos, em 1940, fugindo dos horrores do nazismo. Com aproximadamente 15 anos conhece a militância e os escritos de Rosa Luxemburgo sobre A Revolução Russa.A partir dai, Rosa Luxemburgo vai marcar de diferentes maneiras a militância e a atividade intelectual de Paul Singer, inclusive sua chegada a economia solidária, já com mais de 60 anos.
Ainda na adolescência tem seus primeiros contatos com experiências de autogestão e de “economia solidária”, que vieram marcar sua militância e engajamento nas ultimas décadas de sua vida, através de sua participação no DROR, movimento de jovens sionistas de esquerda que tinham como objetivo criar um Kibutzim em Israel.
Formado em eletrotécnica, no inicio da década de 1950 vai trabalhar como operário em uma metalúrgica na cidade de São Paulo. Em 1953 acontece na cidade de São Paulo uma grande greve operaria, que ficou conhecida como a greve dos 300 mil, tendo Singer como uma de suas lideranças.
Foi sua militância socialista e marxista que motiva Paul Singer a estudar economia, ingressando na Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo, Universidade onde fez seu doutorado, orientado por Florestan Fernandes, e onde veio a ser docente. Foi compulsoriamente aposentado do trabalho docente pela ditadura militar em 1969 e tendo sido reintegrado uma década depois, durante o processo de abertura e redemocratização. Veio a se aposentar como docente em 2002, quando completou 70 anos.
Durante os anos de 1960 e 1970, ajudou a criar e participou de diferentes espaços de militância política e intelectual, como o chamado Grupo de estudos D’O Capital, o CEBRAP, a POLOP (Organização Revolucionaria Marxista Política Operaria), entre outros.
No final dos anos de 1970, Singer, em conjunto com outros intelectuais, se engaja estreitamente na luta pela re-democratização e na formação do Partido dos Trabalhadores (PT), sendo um dos seus fundadores.
Em 1988, quando Luiza Erundina é eleita prefeita de São Paulo, convida Paul Singer para ser secretario do Planejamento, cargo que ocupou nos 4 anos de gestão, de 1989 a 1992. Como Secretario do Planejamento coordenou na cidade de São Paulo as experiências de orçamento participativo, que vieram a se tornar referencias para esquerda mundial como instrumentos de democracia direta nas atuais democracias representativas.
Em 1996, Singer propõe que o governo municipal auxiliasse na organização de cooperativas de produção e de consumo entre trabalhadores desempregados, que naquele momento somavam 20% da classe trabalhadora da cidade. Paul Singer publica sua proposta num jornal de grande circulação (Folha de São Paulo), nomeando a proposta de criação de cooperativas como estratégia de combate ao desemprego, enfrentamento a pobreza e construção do socialismo como economia solidária.
A partir de então passa a dedicar grande parte de seu trabalho intelectual e político a discutir e fomentar a criação de cooperativas e empresas autogestionarias. Do ponto de vista político, descobre a existência de inúmeras experiências cooperativas e autogestionarias e passa a se vincular a elas. Foi um dos principais idealizadores da criação de uma incubadora de cooperativas populares na Universidade de São Paulo, programa que reunia docentes e discentes da universidade na tarefa de auxiliar grupos populares na formação de empresas autogeridas. Participou e incentivou que inúmeras outras universidades brasileiras fizessem o mesmo, ajudando na criação de uma Rede Universitária de incubadoras. Voltou ao movimento sindical, particularmente a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a maior central sindical brasileira, e buscou discutir e convencer o sindicalismo de que sua tarefa estava além da organização de trabalhares assalariados, mas devia-se voltar também para a autogestão e o trabalho associado. Foi conhecer e debater as experiências autogestionarias criadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). Acima de tudo, dedicou seu tempo e sua autoridade política, conquistada a partir de décadas de militância socialista e de trabalho intelectual, a integrar e fortalecer estas diferentes experiências.
Do ponto de vista intelectual, passa a se dedicar ao estudo do cooperativismo, da autogestão e particularmente da prática e do pensamento socialista, buscando discutir o papel e o lugar que estas experiências autogestionarias e cooperativas tiveram na luta da classe operaria contra o avanço do capital e nas concepções socialistas.
Este engajamento político e intelectual de Paul Singer deu impulso as experiências de economia solidaria fortalecendo sua organização e presença política. Em 2002, no momento da eleição para a presidência da Republica, Paul Singer colaborou com a parte de economia solidária e cooperativismo do programa de governo.
Com a vitoria de Lula no pleito, no final do ano, o então vigoroso movimento que reunia as experiências de autogestão e economia solidária no Brasil resolveu realizar uma primeira plenária Nacional de Economia Solidária, que reunia dezenas de entidades e movimentos e centenas de pessoas. Como resultado desta plenária, foi redigida uma carta ao presidente eleito Lula propondo que o novo governo criasse uma Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) no Ministério do Trabalho e Emprego e que seu secretário fosse Paul Singer. Singer ficou a frente da SENAES de 2003 a abril de 2016, passando pelos dois mandatos de Lula como presidente e pelo mandato de Dilma, até o golpe parlamentar de abril de 2016, quando Dilma é afastada da presidência. Neste momento, Singer pede exoneração e se afasta da SENAES.
Nos 13 anos que ficou a frente da Secretaria Nacional de Economia Solidária dedicou-se tanto a fortalecer as experiências de economia solidária e de autogestão como também a levar praticas democráticas para dentro da própria estrutura hierarquizada do estado brasileiro. Na primeira chave, trabalhou incansavelmente para criar políticas de apoio as experiências de economia solidária, buscando propiciar aos trabalhadores e trabalhadoras destas experiências acesso a políticas de formação, qualificação e tecnologias; acesso ao mercado (para comercializarem seus bens e produtos) e acesso ao credito. Além de fazer com que a SENAES desenvolvesse estas políticas, ouvindo as demandas e reivindicações daqueles e daquelas que fazem a economia solidária na prática, buscou incluir o tema da autogestão e da economia solidária em diferentes políticas setoriais do governo federal, como as políticas de combate a pobreza, de desenvolvimento rural, de segurança publica, de saúde mental, entre outras. Fazia isso quase sempre provocado e articulando-se com movimentos sociais das áreas, como com a luta antimanicomial, os movimentos pela reforma graria, com o movimento sindical, pela luta contra o encarceramento, entre outros.
Na frente interna ao estado, não apenas contribui com as diferentes formas de fomento a participação social no governo, como o apoio aos Conselhos das diferentes políticas públicas, particularmente do Conselho Nacional de Economia Solidaria, apoio e participação nas conferencias, que deliberavam as diretrizes das ações do estado, como também buscou levar práticas democráticas para sua própria equipe ministerial.
Assim, depois de uma vida de militância pelo socialismo democrático (que para Singer eram sinônimos) quando em sua maturidade tem a possibilidade de ocupar um importante papel no poder central, não abandonou e se manteve coerente com seus ideais socialistas. Nunca se viu como vanguarda, mas apenas como um militante agindo pela construção do socialismo em sua pratica cotidiana, aqui e agora, fazendo de sua ação aquilo que elaborava intelectualmente.